Divã de mármore

Manhã de domingo fria. Acordamos cedo para um evento organizado por minha mulher que adora fazer estas surpresas. Fomos ver a exposição da Björk, ela só conseguiu três ingressos, estávamos em quatro, o meu filho foi incluído após o seu breve retorno das férias. Os avós tinham uma viagem marcada de última hora e ele precisou voltar antes do esperado.

Vi nesta equação a oportunidade de ficar no meu canto escrevendo. – O Rafa pode ir em meu lugar, me viro, fiquem tranquilos. – Disse altruisticamente.

O plano era perfeito, eles iriam para a exposição e eu teria uma hora só para mim. O problema foi achar um canto para escrever. Como chegamos cedo tudo estava fechado, inclusive o restaurante. Sabiamente perguntei para a menina da recepção se havia um lugar para ficar escrevendo, ela me disse que no MUBE (Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia) que ficava logo à frente tinha uma pequena sala com poltronas.

Perfeito! Local perto, de graça e com poltronas.  Seria a melhor hora do dia. Eles entraram na exposição e fui rumo ao MUBE para o meu retiro de uma hora.  Entrada franca, sem problemas. Me identifico e procuro as tais poltronas.

Eram quatro construções de mármore em forma de poltrona, é escultura pensei. Mas haviam revistas do lado e uma mesa de centro (também de mármore, acho que foi alguma promoção).

Sentei. Cabia meia bunda se você fosse magro. Logo à frente tinha um divã, adivinhe de quê?

Pois bem, lá pelo menos poderia me esticar e usar as pernas para apoiar o laptop. Encostei e a primeira impressão era de que estava molhado. Não era aquilo mesmo. – Tudo bem, coragem é só uma hora, foco na escrita e quando menos esperar já vai ter terminado.

Para não dizer que era inteiro de mármore, havia um acabamento para as pernas de madeira, mas não adiantava muito. Aquela madeira parecia ter vindo de algum dos infernos de Satanás, eram mais frias que o mármore. Alguém já ouviu falar da expressão “queimar no mármore do inferno”, acreditem congelar é pior.

Mas sou uma pessoa persistente, encarei o desafio. Comecei a escrever, o calor do laptop nas pernas era cuspe no oceano. Forcei a amizade, fiz uma crônica ruim (talvez a revise algum dia quando estiver bêbado).

A minha força de vontade resistiu por longos quarenta minutos. – Vou esquecer este negócio de escrever e ver as esculturas, afinal estava em um museu e aquele divã se mostrava cada vez mais uma obra demoníaca, fico imaginando a mente pervertida que inventou uma coisa daquelas.

“Ah vou ser moderno! Vou fazer algo que ninguém nunca pensou, um divã de mármore!”

Meu caro arquiteto, escultor ou devoto do capeta. Por que será que ninguém nunca pensou em fazer isso? Já se fez esta pergunta?

Tentei me levantar. Não sentia a perna esquerda. A direita eu sentia, muita dor. Desliguei o computador e procurei me mexer um pouco, já estava sendo confundido com uma das esculturas do museu.

Fui ver a exposição, ainda estava cedo para encontrar o meu povo. Saí mancando e com um frio nevrálgico nas costas que me renderam uma aparência jovial de setecentos anos. Setecentos anos de uma guerra sangrenta, para ficar bem claro.

Logo no início da exposição, uma pedra de mármore esculpida (tinha um buraco no meio), neste momento tive a certeza de que havia alguma promoção de pedras pelas redondezas, algo do tipo leve duas toneladas e pague uma.

Fora do museu estava sol, pessoas andavam sem casacos, mas eu estava com um frio que endurecia o sangue. Desisti de ver a tal exposição, não sabia se encontraria mais mármores pela frente.

Voltei ao MIS. Fui ao café e pedi um muito quente. Me encostei no lugar onde ficam os salgados, estava bom. Fiquei lá.

A menina me serviu um café pelando. Segurei com as duas mãos. – Cuidado está quente! – Ela disse. Não senti nada.

Quando não se sente uma xícara de café pelando entre os dedos, de duas uma: ou você está morto ou ficou sentado durante muito tempo em um divã de mármore.

– Posso reforçar com mais um pouco de leite, senhor? –  A moça me olhava com a ternura de uma enfermeira da segunda guerra mundial, vendo um dos seus com um estilhaço de granada no peito já nos últimos instantes de vida.

– Por favor.

Minha mulher e as crianças apareceram a tempo de me ver encostado no balcão de salgados aquecido, a balconista rindo muito e me servindo um pouco de leite e eu gemendo de prazer como se tivesse encontrado as sete ninfas de Zeus.

– Querida, não é o que está pensando.

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