Com quem estou trabalhando? Um cibermundo de avatares imortais.

Trabalho de casa, o famoso Home Office, recebo as propostas, envio orçamentos, faço os sites e eles me pagam. Simples assim.

Simples, mas um pouco assustador. Não tenho contato físico com meus clientes. Sim, faço reuniões físicas esporádicas e eventualmente nos vemos cara a cara, mas é raro. A maioria das vezes nos falamos por Skype ou algum outro aplicativo qualquer e nem sempre com vídeo, a conexão não é uma ciência exata (deveria).

Até hoje os meus contatos tinham ocorrido com pelo menos uma interação humana – a fala -seja por telefone ou, como já mencionei, pelo Skype. Até hoje.

Estou montando um site para um cliente que passou um pedido por e-mail. Mandei o orçamento. Ele aceitou. Contratei a hospedagem. Ele pagou. Vai mandar o material pela nuvem. Vou montar o site e se tiver acertos, estes serão feitos por e-mail ou whatsapp. Estamos fazendo tudo assim, sem trocar uma palavra falada, sem ver o rosto um do outro. Ele poderia ser um robô da NASA que não faria diferença. Ou pior, eu poderia ser o robô da NASA!

Não sei se este cliente é alto, baixo, se mora em São Paulo, ou até mesmo se está no Brasil! No Whatsapp tem uma foto, que pode ser antiga. Se o vir passando pela rua não vamos nos reconhecer.

É muito estranho pensar que um relacionamento comercial assim pudesse existir no século passado. Eu sou de lá, nasci em 1967, vivi uma boa parte da minha vida longe da internet, e não morri! E os trabalhos que tinha até então, eram com pessoas que eu havia encontrado fisicamente.

Agora no século XXI, todos estão se tornando uma espécie de avatar de si mesmos. Somos uma foto, uma imagem postada em nossas redes sociais, e esta imagem é o que quisermos que ela seja.

Posso colocar uma foto minha como se fosse um artista de cinema, um personagem de mangá ou até eu mesmo mais novo! Com isso não envelheço, não engordo, não tenho espinhas. Somos imortais enquanto durarmos.

A parte boa é que posso continuar trabalhando até ter 70 anos e todos pensarem que tenho 40. A parte ruim é que posso trabalhar até ter 70 anos.

Esta imortalidade supera a nossa biologia, disfarça nossas rugas, estamos sempre bem para os nossos clientes. Cheguei a trabalhar vinte dias após uma cirurgia ortognática e ninguém percebeu que eu estava com a cara completamente inchada e mais, que não conseguia falar direito!

No livro de Beckett, “Malone morre”, um homem, um velho, está preso a uma cama de hospital e acompanha a sua própria agonia solitária. Descreve sobre suas rugas já terem rugas, sobre suas impossibilidades, sobre uma janela que é a única prova de que o mundo lá fora ainda é real. Este homem, hoje, teria um laptop e estaria produzindo algo na grande rede. E ninguém se daria conta da sua real condição.

Talvez Bukowski enquanto estivesse (também) no hospital escrevendo o seu último livro, postasse nas redes – Estou produzindo mais um texto! –  E todos pensariam: Nossa que legal, ele deve estar escrevendo em algum bar em Los Angeles enchendo a lata! –  E a verdade crua seria um cara reclamando com a enfermeira da comida sem sal do hospital.

Vivemos uma época de facilidades e de mentiras. Há vantagens se você puder trabalhar completamente online, não vai ter portas se fechando por conta da idade, o que é uma saída para o nosso sistema previdenciário precário. Não temos mais os limites de nossos pais, e vamos viver produzindo enquanto der. Somos Bukowski em um leito de hospital escrevendo o último livro, nossos teclados nos precederão. Isto só não será ruim se fizermos o que gostamos e não por precisar ou não ter outra saída. O que nem sempre acontece.

Por hora vou trabalhando com este meu cliente virtual, sem um rosto definido, sem uma voz.  Talvez seja o primeiro de muitos desconhecidos com quem irei trabalhar, uma provável tendência em um mundo cada vez mais de nuvens e avatares que voam como pássaros de bits coloridos e formas imortais.

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