Gravidade

Estava perdido em extratos bancários, negativos. Construções retesadas de minha face destruíam meus dentes em apertos simétricos e histéricos. Contas para pagar e uma vida para mudar. Precisava sair do conforto, pois este conforto não era mais suficiente. Esta situação me impelia à uma ação que talvez meus dentes não suportassem.

Contra meus princípios de logística individual autossuficiente, procurei olhos que estivessem virados para outra direção. Não que fossem olhos mais sábios, mais inteligentes. Pois se fossem mais sábios e inteligentes, estes seriam os controladores da situação e a minha perda de controle, ou apenas o fato de assumir isso, transformaria o desespero em caos, não suportaria esta combinação. Estaria derrotado antes que pudesse trocar os meus sapatos para a nova jornada que estava desenhando.

Dentro do apocalíptico mundo, meu nariz sangrava e o líquido escorria pelo meu rosto, retesado, com dobras duras de rugas estratificaras que seguravam o sangue em compartimentos solidamente esticados, em músculos, em dentes que trincavam, em extratos negativos.

A voz que escolhi me pediu para saltar, fechar os olhos e submeter-me a uma gravidade onde a razão flutua. Tive medo como tem todos os sólidos que encontram um corpo maior e são atraídos pela sua força gravitacional a uma velocidade de impacto que chamamos de queda e que o encontro fatídico se dá neste impacto onde a pedra – menor – se despedaça e em forma de pó que vira areia de uma praia, que levada pelas correntes, se dissipa em bilhões de pequenas partículas e assim o sólido que era tudo o que tinha, agora é nada.

– Só pule, se deixe cair – era o que o som da voz dizia. Sem alternativas seguras ou financeiras, me virei de costas. Não queria ver o chão ou a massa imensa deste corpo que me atraía como uma mosca para a boca de um sapo, e a gravidade era pegajosa como uma língua que se esticava por quilômetros. Se esticava por quilômetros! Não metros, mas centenas e centenas de espaços onde a constante cósmica se traduzia em uma pedra espatifada na areia de uma praia desconhecida.

Não pulei. De costas. Dei um passo para trás. Antes de ver o meu corpo flutuando no nada, agarrei a mão de meu novo amigo, que não sabia mais do que eu. Não sabia! Apenas olhava com olhos mais evoluídos para uma direção que minhas órbitas não possuíam músculos para se virar. Músculo não é inteligência, é só uma forma de arrastar um corpo de A para B, onde se emprega uma equação de força e massa e voilà! O corpo se encontra em outro estado, ou município.

Para meu espanto a gravidade onde eu estava era a gravidade do pensamento e o sangue de minha face flutuava. Saia de minhas entranhas que eram rugas, e se construíam no ar, em formas esféricas de tensão superficial. Bolhas. Bolhas de sangue flutuavam em frente aos meus olhos, e os cacos de dentes mordidos, brincavam de sair de minha boca e se atraiam pelo meu sangue, que saia de minhas rugas e olhos, e se juntavam e dançavam num balé pseudo quântico, enquanto a voz me dizia com um certo escárnio.

– Não te falei.

Aceitei estar flutuando, não ser aquela pedra atraída por corpos maiores. Aceitei ser um pouco quântico, onde as razões variáveis que quantificam em valores incomensuráveis, onde a matemática dita um infinito entre o zero e o um.

Ao sangue em forma de bolha se juntaram lágrimas, meu amigo que talvez chamasse de mestre, me segurou a mão. Não! Só as unhas tocavam. Como um afresco de Michelangelo, o toque se fazia com a tinta de um dedo que não se misturava com o outro, num teto de uma capela onde se olhava para o céu não para ver Deus, mas para ver tinta em uma pedra que trazia um significado que não era o mesmo para todos, mas estava lá.

Eu era tinta, que não se espatifou em um corpo maior. Que não virou areia em uma praia e se dissipou na água marítima respeitando um coeficiente de solubilidade onde o eu é nada.

Eu era a tinta, o Michelangelo seria o meu amigo e mestre?

Não queria respostas, meu novo estado etéreo de matéria corpuscular se construía em um pensamento consciente de que não orbitava mais. Meu coração batia e bombeava mais sangue para o meu nariz, que não sangrava.

As rugas, antes sólidas como rochas, amoleceram me dando um aspecto mais velho. A falta de gravidade não é Botox. Tinha dificuldade para respirar. O extrato ainda era negativo. Mas a unha do meu amigo que quase tocava a minha, revelava sua presença. E meus olhos criaram músculos para se virar para outras órbitas.

Segui esta jornada sem sapatos.

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